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sábado, 25 de outubro de 2014

ENTREVISTA COM A DIRETORA DE "JUMBO - EU VISITO A TUA AUSÊNCIA" - JOANA LEBREIRO

Conversamos essa semana com a diretora Joana Libreiro, que atualmente está ministrando a OFICINA DE CRIAÇÃO aqui na Sede das Cias e que também é a diretora de JUMBO - EU VISITO A TUA AUSÊNCIA, em cartaz por aqui até o dia 27 de outubro. 


A Joana, além de ser uma simpatia, arrumou um tempo entre todas as suas atividades para contar pra gente como foi o processo de criação de JUMBO - EU VISITO A TUA AUSÊNCIA desde o início. Papo bom à beça.




Para quem não sabe, JUMBO é o nome dado ao embrulho de comida, roupas e produtos de higiene que é levado ou enviado rotineiramente aos detentos do sistema prisional (carcerário) por suas famílias.



LAURA LIMP: Como surgiu a ideia do espetáculo e qual foi a participação das atrizes na construção da história?

JOANA LEBREIRO: Bom, a ideia desse espetáculo surgiu das próprias atrizes, né? Do Baú da Baronesa. Elas tinham acabado de se formar na CAL e resolveram fazer uma companhia, montar uma companhia para poder trabalhar, continuar trabalhando... E falar de alguma coisa que interessasse a elas. E a primeira coisa que as unia era o fato de serem todas mulheres. Elas começaram a se perguntar que tipo de espetáculo elas poderiam fazer que fosse só de mulheres e que saísse de algum tipo de lugar comum, né? O que que elas poderiam fazer? E aí pesquisando vários temas elas chegaram neste: das mulheres que visitam os presos na cadeia.  Ou seja, um espetáculo que só poderia ser feito por mulheres. E imediatamente esse tema já apaixonou todas elas, que ficaram muito encantadas pelo tema. 

Foi nesse momento que eu entrei, que elas me convidaram. Inclusive, quando elas me falaram do tema, foi o que mais me seduziu! Quando elas me convidaram pra uma primeira reunião, pra me convidar pra estar junto do projeto e eu perguntei: "Mas o quê que cês tão pensando em fazer?" Elas me falaram que essa era uma primeira ideia. Eu fiquei absolutamente apaixonada porque eu achei muito contundente... Jovens atrizes... 

"E por quê vocês vão falar disso?A gente chegou e uma das coisas que a gente falou logo no início da pesquisa foi por quê falar dessas mulheres que visitam presos? Essas mulheres que frequentam as penitenciárias (que são tão diferentes da nossa realidade, da realidade delas). O quê que nos interessaria? E a gente falou muito sobre exercitar o olhar para o que nos é absolutamente estranho e diferente. Então... É o olhar pro que justamente  elas não são. Porque a gente falava muito disso, que é um universo muito diferente da vivência de vocês (das atrizes). Então, acho que uma coisa que foi muito importante nesse início foi: "E o quê que a gente têm em comum com essas mulheres? O que que poderia ter?" E a gente foi começar a nossa pesquisa por isso. A gente foi fazer uma pesquisa no início do trabalho. Era um trabalho totalmente aberto, ainda não tinha texto.  A gente começou a ensaiar sem texto, só com a ideia, e começou a investigar o universo feminino. Começamos a fazer exercícios sobre isso ao mesmo tempo em que a gente lia material sobre essas mulheres. 

Elas (as atrizes) já tinham feito uma pesquisa prévia bem bacana. Eu levei mais coisas, a gente conversava muito, via filme, e também pesquisa sobre a linguagem do documentário. E um dos primeiros exercícios que a gente fez foi uma aproximação afetiva, porque na verdade a gente conversou muito, assim... Que ninguém escaparia... Ninguém tá imune a ter algum parente, algum homem... Nenhuma mulher tá imune a ter algum homem da sua vida preso, né? Porque qualquer um pode cometer um crime. Você poderia ter um irmão, um marido, um namorado, um pai, um filho preso... Então o primeiro exercício que a gente fez foi de uma aproximação afetiva, se fosse com você? Com algum homem da sua vida? 

Então esse foi um exercício importante, que uniu muito as atrizes, que cada uma se colocou e fez uma coisa de verdade. A gente fez uma visita, uma carta. Ela tinha que apresentar  uma carta que ela escreveria pra essa pessoa. E que JUMBO ela levaria? Justificar o JUMBO, e foi um exercício muito emocionante, onde a gente entendeu uma questão da peça que foi muito importante depois pro processo. Que a gente sabia que aquilo não era verdade, a gente não pretendia que fosse verdade porque se alguém falava e fazia um exercício dizendo que o pai tá preso, a gente sabia que não era mas  sabia que ela tava falando de verdade.  Se o meu pai fosse preso o que eu diria pra ela seria isso.  E o exercício era entrar em contato com isso, né?  Como seria? Que tipo de afeto seria despertado aí? E o jogo se deu entre a gente que estava vendo e a atriz que na hora tava fazendo. E foi um jogo muito verdadeiro que fez a gente pensar em muitas questões que a gente depois foi abordando no decorrer dos ensaios. 


cena do espetáculo JUMBO - EU VISITO A TUA AUSÊNCIA


LAURA: Então esse foi o processo de dramaturgia? 


JOANA: Esse foi o processo de participação das atrizes e de dramaturgia. Tudo isso fez parte do processo de dramaturgia. A gente começou a ensaiar tendo um tema, lendo histórias, mulheres discutindo, fazendo paralelos com  o que a gente sentiria, com o que a gente pensaria e estudando esse universo feminino. A gente fez alguns exercícios também, pra trazer material sobre feminilidade, relação de afeto das mulheres na vida com seus homens, seus filhos, seus maridos. A gente fez um exercício também que foi bem marcante no nosso processo que foi o "museu do feminino". Cada uma tinha que apresentar,  a partir de frases que a gente pescou. E a gente foi dividindo. Elas tinham que fazer uma apresentação que tinha uma música, um objeto... E a gente passava e  fazia uma espécie de visita  guiada por cada uma dessas mulheres que a gente tava inventando ali. 

Isso foi trazendo muito material, enquanto a Cilene Guedes, que é a autora do espetáculo e que também era uma das atrizes, tava começando já a rascunhar e botar as ideias dela pra fora. Até que um dia a Cilene fez uma primeira sinopse dessas personagens. E a gente já tinha visto filme, feito vários exercícios... Este dia, o primeiro dia, quando chegaram as sinopses dos personagens, foi um dia muito decisivo. 

LAURA: Que elementos você usou na direção da peça? 

JOANA: Nesse dia eu já dividi essas personagens, mas sem ter certeza  se realmente seria isso, foi uma primeira experiência de divisão, e aí nesse dia a gente já imediatamente marcou um exercício que virou parte integrante do espetáculo, que era o que a gente chamou de "entrevista pro documentarista". Como a gente tava trabalhando com a estética do filme documentário, um pouco de brincar com a estética do filme documentário mas com conteúdo que vinha do documentário, mas que era ficção e se assume enquanto ficão, mas que mistura elementos do documentário, isso é: o conteúdo. Mas a estética... A gente queria brincar com a estética do documentário que sempre tem o momento da entrevista para o documentarista. 

A gente quis fazer um exercício que era: você pega a sua sinopse (que era uma sinopse grande que dava pontos sobre o personagem) estuda sua sinopse e vai trazer um depoimento pro documentarista,  como se ele tivesse vindo te entrevistar. Você vai parar e falar. 



cena do espetáculo JUMBO - EU VISTO A TUA AUSÊNCIA
A gente fez alguns exercícios de aquecimento com coisas que a gente já fazia e também com coisas que entraram no espetáculo como: posições de espera na fila,  posições de espera sentada,  deitada, dormindo, em pé... Muitas coisas que depois a gente usa em várias passagens do espetáculo. 

E aí elas fizeram essa entrevista que era absolutamente improvisada. E foi um exercício também muito forte, que marcou muito o processo, porque a gente viu que aquele formato tinha uma força,  gerava um interesse e era de uma simplicidade que me interessava na direção. De uma simplicidade mas também de uma potência que me interessava explorar. E nesse dia as personagens ficaram, nunca houve mudança  e foi muito impressionante também ver que as personagens apareceram ali, nesse primeiro dia. Eu acho que é porque elas já vinham fazendo um trabalho de investigação muito grande.  Então quando chega a sinopse, elas conseguiram se apropriar muito rapidamente de muitos elementos dalí. Então tiveram um grau de concretude muito bacana pra um primeiro exercício com essa sinopse, com esse perfil. 

Então, depois desse exercício da entrevista pro documentarista, a gente decidiu que ele iria entrar, que ele ia ser uma ligação entre as cenas, parte da ligação entre as visitas e as cenas coletivas. E aí a dramaturgia cada vez mais foi tomando  uma forma. A gente foi entendendo na discussão com a Cilene, que teria as histórias. Que o drama de cada personagem se daria geralmente dentro da visita e que a gente teria essa camada da visita, essa camada da entrevista ao documentarista e essa camada das cenas coletivas,  das cenas que tem histórias. Histórias na fila, histórias fora.  A história da Quiara por exemplo,  que é... Que se passa fora dali.  

cena do espetáculo JUMBO - EU VISITO A TUA AUSÊNCIA






E aí a Cilene começou cada vez mais a construir. Teve uma hora que ela se afastou mais mesmo do ensaio pra escrever. Ela ia trazendo aos poucos as visitas, tipo: a gente experimentou um pouco aquele formato  de 6 visitas simultâneas, 7 visitas simultâneas, né? A gente começou a experimentar e viu que dava certo. Então as visitas vinham chegando. As cenas coletivas iam chegando, até que a gente estruturou. Ela (Cilene) foi  estruturando o texto todo  e foi o que ficou. Então foi  realmente um texto escrito durante o processo. Ela ia nos ensaios, ela participava como atriz, ela ia pra casa, ela escrevia, ela trazia coisas e a gente testava. Foi muito bacana poder passar por isso. Foi realmente uma experiência muito enriquecedora mesmo. 

LAURA: Joana, falar um pouquinho pra gente sobre a sua trajetória profissional.

JOANA: Eu me formei em direção teatral na UFRJ. Comecei trabalhando como assistente de direção do Antônio Guedes no Teatro do Pequeno Gesto. Fiquei 4 anos com ele. Foi uma experiência muito importante com ele e com a Fátima Saad e depois eu comecei a dirigir meus próprios trabalhos. E os primeiros trabalhos que eu dirigi  eram musicais biográficos. Assim, ainda em 2004, tava começando esse movimento... O primeiro musical que eu dirigi era uma coisas muito pequena, a gente chamava de "musical de bolso". E era um grupo que era o Núcleo Informal de Teatro (porque a gente queria trabalhar isso, uma linguagem informal e  brasileira pra musical).  

Então, era um musical de bolso, era sobre o Antônio Maria. Era bem pequenininho e ali eu comecei a ver o quanto eu gostava desse tema da memória em teatro né? Eu já gostava na faculdade, mas eu ainda não tinha entendido em que âmbito eu poderia trabalhar isso. Então eu dirigi um espetáculo sobre o Antônio Maria, um outro sobre o Mário Lago e outro sobre o Ary Barroso. Sempre um pouco sobre esse ponto de vista da memória, do documento, das histórias, de como a memória coletiva e as memórias individuais se entrelaçam.  Sempre um pouco nesse âmbito também. Como é que isso tudo se entrelaça com a história  da cidade e como é que a música também faz parte dessa memória coletiva, individual, memória da cidade, memória nacional... 

Joana Lebreiro - diretora de JUMBO - EU VISITO A TUA AUSÊNCIA


Isso tudo foi me  fascinando cada vez mais e aí eu fui fazer um mestrado em memória social, que a princípio não tinha nada a ver com teatro. Era um mestrado focado em memória onde eu desenvolvi um trabalho, uma dissertação sobre as histórias de vida de moradores de copacabana, né?  Na verdade eram fragmentos de memórias de Copacabana a partir dos velhos moradores do bairro.  

Esse tema da dissertação é um dos temas que eu quero explorar, num trabalho. Eu já estou há anos com isso, com esse material. Eu quero pegar essas entrevistas e transformar num espetáculo de teatro. Inclusive, esse material é o que eu tô usando na oficina que eu tô dando na Sede das Cias. Eu tô usando essas entrevistas (trechos dessas entrevistas) pra trabalhar a teatralidade disso. O potencial teatral disso com os alunos. 

E aí, depois que eu acabei esse mestrado eu fui enveredando cada vez mais nesse caminho. Dirigi um espetáculo chamado "Meu caro amigo" com Kelzy Ecard, que foi um espetáculo importante, assim, na minha carreira. Porque ela é uma grande atriz, era um monólogo e trabalhava exatamente isso: a memória individual e a coletiva. Era uma fã do Chico Buarque  que declara o amor dela pra ele, mas passando pela memória dela. De como as músicas dele influenciaram a vida dela. E aí a gente trabalhava com toda a história dos últimos 50 anos do Brasil nisso. E foi uma experiência também muito intensa, onde eu entendi que isso era cada vez mais o que eu gostaria de falar, né? Esse tipo de assunto.




Assista ao trecho do espetáculo MEU CARO AMIGO clicando no vídeo.

E aí, entre outras coisas, eu comecei a me interessar cada vez por teatro documentário. Por cinema documentário. Pela relação entre ficção e documentário... Foi nessa época que as meninas do Baú da Baronesa me chamaram para dirigir o JUMBO e eu aceitei. E foi, como eu já falei, uma experiência importante  e muito transformadora.  E logo nessa época também eu dirigi (voltando pra música e pra memória, só que não mais biografia) um musicalchamado "Funk Brasil - 40 anos de Baile", que não é um musical nos moldes tradicionais. É uma peça de teatro, uma peça baile,  onde os atores dançam o tempo todo. E ali a gente pesquisou linguagem mesmo. Assim: "Como é que  a gente consegue fazer um espetáculo que é todo dançado mas que não é dançado como coreografia?". É dançado como... Os passos são a marcação mesmo. É totalmente  anti naturalista. É uma brincadeira mesmo com o fato de você não parar de dançar, mas você tem diálogos... Tudo normal.  Só que você tá dançando.  Os atores dançando o tempo todo.  E a gente contava a história do funk dos anos 60 até os dias de hoje e é um espetáculo com texto do Pedro Monteiro que eu dirigi. 



O espetáculo JUMBO - EU VISITO A TUA AUSÊNCIA está em cartaz na Sede das Cias até 27 de outubro (segunda-feira). De sexta a Segunda, sempre às 20h.

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