Pesquisar no blog

domingo, 20 de setembro de 2015

ENTREVISTA COM JULIANA PAMPLONA - DIRETORA E AUTORA DE "DOMÍNIO DO ESCURO"

Conversamos com a dramaturga e diretora Juliana Pamplona sobre o espetáculo DOMÍNIO DO ESCURO, que fez uma temporada  de sucesso aqui na  Sede das Cias até o dia 18 de setembro. Tanto texto quanto direção são assinados por ela. Mas a conversa foi além. Que bom. Disfrutem...


Juliana Pamplona - acervo pessoal


Laura Limp: Oi, Juliana, tudo bom? Você já tem muitos trabalhos como dramaturga, inclusive, assinou como dramaturgista no último espetáculo da companhia Os Dezequilibrados: "Beija-me como nos livros". Como é isso? Qual a diferença de dramaturga pra dramaturgista? 

Juliana Pamplona: Olá, amiga. Vamos nessa! De modo resumido, “dramaturgo” é quem escreve peças teatrais. Se formos mais rigorosos com o termo, seria quem escreve peças a partir de certas convenções do drama. Há quem prefira usar o termo “autor teatral” para se referir aos escritores de textos teatrais não dramáticos. Dramaturgista (ou dramaturg) é uma função no teatro ligada à pesquisa, discussão de ideias, conceitos e sentidos implicados no processo de uma montagem. Muitas vezes o dramaturg é definido como um “critico interno”. Assim como o trabalho do autor teatral, o trabalho do dramaturg/dramaturgista pode variar muito de acordo com cada proposta, ele atua em sintonia com as necessidades de cada projeto, coletivo, direção. Acho legal falar sobre isso porque são termos muitas vezes confundidos. Eu adorei trabalhar com os Dezequilibrados no "Beija-me como nos livros". Foi um processo de pesquisa teórica muito intenso, e de conversa e troca sobre os sentidos implicados nessa criação. A dramaturgia do “Beija-me” (em gromelô) é do Ivan Sugahara com a colaboração dos atores Ângela Câmara, Claudia Melle, José Karini e Julio Adrião e da Lívia Paiva (que fez a assistência de direção). Algumas vezes foi divulgado como se a dramaturgia fosse minha porque alguns revisores não familiarizados com o termo “corrigem” automaticamente a palavra dramaturgismo para dramaturgia, ou dramaturg para dramaturga/o. 


L: Atenção revisores! (risos) Bom, o que mudou ao longo dos anos na sua escrita, na sua forma de enxergar o teatro e de escrever?

J: Na verdade tenho poucas peças teatrais inteiras, tenho mais exercícios e proposições híbridas. As peças longas que considero concluídas são: “Tipo de coisa que se perde fácil”, “Fora da máquina de lavar”, “Entre análises”, “O céu sueco” e “Domínio do escuro”. Acho que nas minhas primeiras peças eu era menos consciente como autora das suas possibilidades de inventividade formal. Essa é a maior diferença. Eu gosto da experimentação na escrita, gosto de não saber tudo sobre as questões que estou pesquisando, dos laboratórios práticos nesse lugar de investigação. É como enxergo o teatro que eu faço hoje/quero fazer. Quero que seja um campo para experimentação. Procuro processos de trabalho e questões que não estejam resolvidas à priori, que possam me transformar.



B – (B faz anotações numas folhas) Como você está se sentindo hoje?
A – Como uma pessoa traída… O tempo me traiu. Agora. Neste instante. O tempo está me traindo. (A é empurrada. Cai e se levanta como se estivesse acostumada) é como… (Tentando ser compreendida. Explicativa. Desiste.) eu me sinto.
                                                                 (trecho do texto "Entre Análises") 


L: Essa é a primeira vez que você dirige uma montagem. Como foi a experiência? Foi mais fácil ou mais difícil do que você imaginava?

J: É muito difícil! Mas eu pude contar com uma equipe muito boa. Tive a alegria de trabalhar com profissionais talentosos que entraram acreditando no projeto e para somar. A equipe toda foi muito parceira. Quando digo que é minha primeira direção é porque, de fato, é a minha primeira montagem. Isso de orquestrar diferentes funções foi uma experiência nova pra mim. Mas tem muito nessa direção de cena de Domínio do escuro que é uma continuidade de anos dirigindo os laboratórios práticos na UNIRIO (entre 2007 e 2014), o Desestabilizadores de cena, entre outros. O Domínio do escuro tem jogos cênicos que eu só pude propor porque eu havia amadurecido alguns caminhos nos laboratórios nos anos anteriores. A parte mais legal de dirigir é poder falar para os atores coisas do tipo: “nessa cena vocês não são pessoas, são imãs” e ser compreendida. A linguagem é muito misteriosa... 


foto do espetáculo "Domínio do Escuro"


L: De onde surgiu a ideia/vontade de fazer  DOMÍNIO DO ESCURO? Como começou? 

J: Surgiu, em parte, de uma vontade de fazer algo em que o processo em si envolvesse encontros potentes e transformadores. Por isso as entrevistas, que são também registros de um pedaço da nossa história e exige encontro, diálogo. As conversas com a Barbara Hammer também foram muito importantes. 


Barbara Hammer
Fotos do arquivo pessoal de Luiz Sérgio
Em 2013 eu fiz uma assistência de produção e alguma pesquisa para o longa metragem dela sobre a Elizabeth Bishop, Welcome To This House, que vai estrear no Brasil no Festival do Rio esse ano. Eu acabei conhecendo um pouco o trabalho da Barbara nessa época, vi o Maya Deren’s Sink e o Nitrate Kisses. E ela me contou que as primeiras exibições do Nitrate Kisses em NY chocaram a comunidade gay, não porque havia cena de sexo entre gays, mas porque eram cenas de sexo entre idosos! Teve casal de jovens homossexuais saindo no meio da sessão escandalizado. Ou seja, é preciso mexer nesse preconceito, esse pânico social com o envelhecer. Há muito tabus em relação à sexualidade e a velhice. Essa conversa com a Barbara me fez pensar que, estranhamente, eu não conhecia quase nenhum idoso gay, e é claro que eles existem em toda parte. Porque não estavam visíveis? Porque as histórias dessas pessoas não chegam à nós? Que legado está sendo silenciado e por que e qual a importância de ter esses registros? Foram essas as indagações que me motivaram a fazer o Domínio do escuro.



L: O desenvolvimento do texto foi feito junto com os atores? A pesquisa também?

J: Eu escrevi o texto ao longo do processo laboratorial e de ensaios, para mim foi importante desde o início trabalhar com atores-pesquisadores. Tem muito das colaborações dos atores na peça inteira, principalmente por ter sido um processo laboratorial, investigativo, mas eu não dividi a responsabilidade pelo texto, as funções são bem definidas. A Clarisse Zarvos e a Lívia Paiva participaram das entrevistas com os idosos, o Pedro Henrique Müller entrou um pouco depois no processo mas também acabou conhecendo alguns dos entrevistados a posteriori. Eu considero pesquisa todo o processo, inclusive os ensaios onde nós pesquisamos e criamos a linguagem cênica. Há desenhos de cena que só poderiam ter sido criados nesse processo com a disponibilidades dessas pessoas específicas. E muito do material de cena que levantamos junto não entrou, porque esse tipo de processo é assim. Mas confesso que sou controladora em relação as palavras do texto. Há muito intertexto – uso Ali Smith, Siri Husvedt, Michael Foucault, E. E. Cummings, João Pedro Arruda (Bustanga), Roland Barthes, etc.; há referências à filmes, etc. –  então parte do meu trabalho foi fazer a curadoria dessa colagem, adaptações, definir esses diálogos. Sou controladora até com o intertexto. De qualquer maneira, escrevi todas as cenas da peça em algum momento do processo em casa, isolada, a partir das muitas histórias que ouvi nesse período, as entrevistas, a pesquisa teórica, o material de improvisação dos atores nos ensaios, o material que serviu de intertexto e também da minha própria criação ficcional. Mesmo nesse processo híbrido ainda precisei desse modo de produzir texto, editar, revisar, mais solitário. O que acontece agora (nessa primeira temporada) é que eu peço aos atores um certo rigor com determinadas cenas nas quais a precisão de palavras que para mim são mais inegociáveis, mas há outras cenas em que eles falam frases que partiram de improvisações deles que foram ficando, e há ainda trechos na peça em que eles podem improvisar a cada dia (bem pouquinho. rárá) porque essa margem de liberdade é importante para que o jogo fique vivo. Mas confesso que prefiro a precisão em relação às palavras e ritmo das falas. Talvez numa próxima temporada eles tenham uma surpresa. Ou eu.

foto: Bruno Mello

L: Por que a escolha específica de três performers de até 25 anos, identificados com questões LGBTTQs para o elenco? 

J: Tem a ver com a premissa intergeracional do projeto. Os entrevistados estão idealmente na faixa dos 70 ou 80 anos. Esse gap entre duas gerações no limiar de seus anacronismos dá a ver as diferenças de um modo mais dramático. O tempo e as mudanças ou pontos de estagnação ficam em evidência. Então a escolha por atores na faixa dos 20 se justifica de modo relacional. Essa distância define conceitualmente o trabalho, é preciso fazer uma ponte maior para que esse diálogo se dê e isso me interessa muito.

A identificação com as questões LGBTTQ é porque, a meu ver, não há como fazer um projeto desses de modo burocrático, eu queria fazer uma peça com pessoas tão apaixonadas pela ideia quanto eu. As questões tem que ser relevantes para quem faz, já é um processo muito utópico e suado, esse de juntar gente para fazer uma peça, então tem que ser minimamente significante para os envolvidos. 

foto de cena - "Domínio do escuro"


L: Como está sendo a recepção do público? Quais as reações?

J: Tem sido muito surpreendente (pra mim). O teatro tem estado cheio, algumas sessões lotadas, mesmo nesses dias difíceis para o teatro, de quarta à sexta. As pessoas falam coisa bonitas depois da peça, algumas voltam para ver de novo, outras choram (mas não é culpa nossa, choram por conta própria). Só vi uma pessoa dormir durante o espetáculo até hoje, e soube de outra que ficou bastante irritada com alguma cena – se mexia e resmungava muito – , mas eu não consegui identificar o que. Tem uma coisa – e aí é uma observação pessoal – que eu sempre quis fazer e nunca consegui nas peças anteriores que acabavam sempre meio mal: o Domínio do escuro fala de questões muito duras, mas não joga o espectador no fundo do poço. Se joga, - talvez jogue sim – também resgata. Eu considero esta uma peça alegre, acho que ela também convida à um empoderamento. O público da Sede tem sido muito legal. 

L: Depois da Sede, vocês pretendem levar o espetáculo para outros espaços? 

J: Sim. Nós vamos fazer a circulação nas lonas culturais e arenas no Rio de Janeiro no ano que vem. Isso está certo. Mas queremos muito fazer mais uma temporada antes disso. Estamos procurando pauta. 

L: E quais são seus futuros projetos? Algo em mente?

J: Estou desenvolvendo uma pesquisa no Pós Doc na UFRJ que é também a escrita de uma peça-ensaio a partir de alguns conceitos da teoria queer. E estou começando um projeto teatral, que é da Fernanda Avellar, e que vou fazer como diretora. É a peça “O Corpo da mulher como campo de batalha” do Matéi Visniec (O título original é “A Mulher como campo de batalha ou Do sexo da mulher como campo de batalha na guerra da Bósnia”). Essa vai ser a minha primeira direção de um texto que não é meu. É um projeto que exige uma pesquisa difícil, fala de racismo, preconceito étnico, crueldade e estupro de guerra etc. Exige um posicionamento feminista, humanista, complexo. A ideia é intervir no texto do Matéi, atualizando e deslocando essas questões para as urgências do nosso contexto, falar de um lugar assumidamente parcial, criar um dialogo junto e em tensão com o texto original.

J: Obrigada, Laura! Adorei as perguntas, foram ótimas para pensar o processo e tudo mais.

L: Quê isso, Juliana. Foi um prazer desgraçado, como sempre!




foto de cena "Domínio do escuro"





DOMÍNIO DO ESCURO - FICHA TÉCNICA


Direção e dramaturgia: Juliana Pamplona

Elenco: Clarisse Zarvos, Lívia Paiva e Pedro Henrique Müller

Cenário e Figurino: Elsa Romero
Iluminação: Lara Cunha

Preparação Corporal: Duda Maia

Vídeo: Pedro Modesto

Trilha Sonora: Jonas Sá

Programação Visual: Clarice Pamplona
Produção executiva: Clarisse Zarvos e Marina Gadelha
Direção de Produção: Fernanda Avellar
Realização: Trestada Produções
Fanpage do espetáculo no Facebook: AQUI





:: :: Juliana Pamplona é autora e diretora teatral e pesquisadora na faculdade de Letras da UFRJ através do Pós-Doc da FAPERJ Nota 10 e do PACC. Bacharel em Teoria do Teatro (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO) e doutora pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas na UNIRIO, foi também pesquisadora visitante no departamento de Performance Studies na NYU (New York University, 2012.2) através da CAPES/PDSE. Teve o seu projeto “Desestabilizadores de Cena” contemplado com a bolsa de pesquisa e criação artística da Secretaria de Cultura – RJ (2011), resultando na peça de sua autoria “O céu sueco”. Ministrou as oficinas curtas “Sesc Dramaturgia: Leituras em Cena” (entre 2009 e 2013) no Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo e Santa Catarina. Fez o dramaturgismo da nova peça da Cia. Os Dezequilibrados, “Beija-me como nos livros”, e está em cartaz atualmente com a peça “Domínio do escuro” contemplada pelo edital LGBT da Secretaria Municipal de Cultura – RJ, da qual é idealizadora, diretora e autora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário